Do lado de fora da fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, o clima é o mesmo de sempre: o nevoeiro que persiste o ano inteiro se torna mais espesso no inverno, remetendo o visitante a uma atmosfera soturna, quase londrina. Dentro, no entanto, o estado de espírito mudou: operários que há quatro anos discutiam sobre a iminente perda do emprego, hoje se ocupam com trabalho contínuo e hora extra. No último andar do prédio que fica no ponto mais alto do terreno, a vista externa prejudicada pela neblina é o que menos importa. A paisagem que interessa ao presidente da companhia, Thomas Schmall, apoia-se nas planilhas de resultados, que se revezam nas reuniões do dia.
A gestão de Schmall começou em 2007, logo após uma turbulenta reestruturação, que se seguiu à mais aguda crise da história da montadora no país. Na época, a fábrica do ABC parecia fadada a fechar as portas, um cenário que ficou distante. A empresa tirou proveito das condições econômicas, que, nos últimos anos ajudaram na expansão da atividade de toda a indústria automobilística, mas houve mudança interna também.
Três anos depois, o maior trunfo do executivo foi ter começado a pagar as dívidas com a matriz. A multinacional teve de emprestar dinheiro para a subsidiária brasileira nos tempos difíceis. Foram dez anos consecutivos de prejuízos. Schmall conta que a dívida ainda não foi quitada. "Minha tarefa aqui tem sido claramente obter resultados; porque de nada vale produzir um milhão de carros por ano sem lucro". Segundo ele, a dívida deverá estar completamente quitada daqui a dois a três anos.
Schmall recorreu a algumas ferramentas de gestão, que o ajudaram a fazer os volumes de produção da maior fabricante de veículos do Brasil crescer acima da média do setor. Entre 2006 e 2009, a produção de veículos aumentou 21%. Na Volks, os volumes ficaram 35% maiores. E mesmo com a entrada de novas marcas no país, as vendas da empresa também alcançaram um índice de crescimento (67%) maior do que a expansão do mercado total (62%). Isso significa que a empresa acrescentou 274,5 mil veículos ao seu volume anual de vendas. É como se mais duas empresas do tamanho da Honda tivessem entrado no Brasil. "Falam em novas fábricas na Índia, na Rússia; e nós conseguimos erguer uma aqui sem construir", diz.
Schmall é um executivo de 46 anos de idade e aparência de mais jovem. Tem um forte sotaque alemão. Mas fala, em português, de maneira mais rápida que muitos brasileiros. Aprendeu o idioma com a esposa, a brasileira Luciane, que ele conheceu nos tempos em que comandou a fábrica de São José dos Pinhais (PR), entre 2000 e 2003. Naquele tempo o grupo Volks chegou a produzir um modelo da Audi, o A3, no Paraná.
O executivo tem um jeito frenético. Presta atenção nos detalhes da conversa e faz questão de explicar as coisas didaticamente. Empolgado com o trabalho, passa o dia em reuniões. O encontro pessoal é a maneira de avaliar resultados sem interferências. Cada conversa dura, em média, meia hora. Assim, o executivo é capaz de fazer até 30 reuniões num único dia de trabalho, onde a jornada, se estende, em média, por 15 horas.
A linha de gestão de Schmall aparece antes de se chegar à sua sala. Um quadro montado com alguns metros de papel na parede do corredor exibe dezenas de linhas. Em cada linha há o nome de um dos 500 executivos da companhia. Ao lado, o nome de uma concessionária. E, alinhados aos dois nomes, metas de resultados, com uma das três cores de um semáforo: vermelho, amarelo e verde.
O mais curioso é que quase nenhum daqueles executivos trabalha na área de vendas. Teoricamente, nem deveriam se preocupar com os revendedores. Mas não é o que pensa Schmall. "Como qualquer empresa grande corremos o risco de perder o foco, que é o cliente", afirma. Por isso, ele inventou uma forma de aproximar os executivos de todas as áreas - da financeira à de recursos humanos - das concessionárias.
A ideia surgiu há dois anos. Durante uma festa de véspera de Natal, cada executivo recebeu uma pulseira com um número. Ao subir ao palco para a mensagem de fim de ano, Schmall apontou para um quadro, no qual cada número de pulseira equivalia a um endereço de concessionária. Dali em diante cada executivo, incluindo o próprio presidente da empresa, passaria a acompanhar de perto o trabalho do ponto de venda do número da pulseira.
Das 600 revendas Volks do país, 500 passaram a ser observadas por alguém que trabalha na Volks e que talvez jamais tivesse pisado em uma loja da marca. As visitas são feitas duas vezes ao ano. Mas o acompanhamento é constante. Schmall cobra um relatório mensal. Os resultados já apareceram. No item reparo repetitivo, que mostra a quantidade de vezes que o cliente teve de voltar para refazer o conserto do carro, houve diminuição de 50%, diz Schmall.
"As vezes os executivos se reúnem e discutem decisões importantes numa sexta-feira. Mas aí vem o fim de semana e na segunda ninguém mais quer saber daquilo que foi discutido." Para ele, é preciso inserir a empresa toda no foco.
Nessa linha, o Schmall decidiu implantar na sua gestão o "Balanced Scorecard", metodologia famosa nas áreas de gestão, que usa variáveis de controle e metas. Ele é fã de Robert Kaplan e David Norton, professores de Harvard que criaram o modelo em 1992.
Por meio dessa metodologia, o executivo escolheu, desde o início da gestão os objetivos mais importantes. Traçou mapas, distribui planilhas por todos os cantos das quatro fábricas que produzem carros e motores no Brasil. Das salas de diretoria às dos motoristas. "Minha tarefa é para os próximos dez, 15 anos. Eu posso trabalhar a curto prazo com produto. Mas preciso pensar no longo prazo para que a empresa possa enfrentar qualquer tipo de chuva."
O pessoal do "Balanced Scorecard" programa competições anuais. Schmall decidiu participar e a Volks do Brasil foi a única montadora da América Latina a ganhar o prêmio em 2009. O caso será publicado no material que servirá de apoio aos alunos da Harvard. A história que os americanos vão aprender relata a trajetória de uma empresa inchada, que conseguiu se reestruturar e transformar antigos conflitos trabalhistas no ABC em acordos, que, por sua vez, atraíram mais investimentos. O último plano prevê R$ 6,2 bilhões entre 2010 e 2014. Com esses recursos, a Volks quer se preparar para vender um milhão de veículos por ano - um quarto do mercado brasileiro. Hoje a participação é de 22,7%. O nevoeiro parece que vai ficar mesmo só do lado de fora da fábrica.
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